ESPHERO graphica

Grupo de Escrita Criativa

Sobre
O grupo ESPHEROGRAPHICA é um grupo de jovens estudantes com gosto e paixão pela escrita que procuram a partilha mútua de experiência literárias que possam providenciar uma evolução própria e uma melhor construção de uma identidade literária.
Objectivos
Por meio de exercícios de escrita e de criatividade, desde a dinâmica mental até à compreensão gramatical, sintática e ortográfica da língua, o grupo de escrita Espherographica visa desenvolver uma série de actividades por fim a melhor as capacidades por meio de interajuda e comunicação com outros. Aqui serão dispostos os resultados dessas sessões.
Textos
Sessão #3 - Descrição Pt. II

Descrição

A descrição é uma parte essencial da literatura. Não fornece apenas o lado material e imaterial do enredo e da história como acrescenta elementos fulcrais para o seu desenvolvimento, nomeadamente no desenvolvimento para a personagem.

1. Observação

Já Sherlock Holmes dizia a Watson, “Vês, mas não observas”. Observação é o princípio para conseguir uma boa descrição. Exercícios de observação ajudam o escritor a desenvolver a percepção e a apurar os sentidos. Actividades como observar o tempo, olhar o comportamento das pessoas num café ou ver as reacções de alguém que lê um jornal ajudam-nos a entender melhor o ambiente e aqueles que nele se inserem.

Uma forma de consegui-lo é andar sempre com um bloco guardado consigo. Praticar a descrição das coisas que vê é uma forma de desenvolver as capacidades descritivas nomeadamente sensoriais. Ao anotar as observações que impressionam o escritor num bloco, este acaba por criar uma espécie de “base de dados de sensações”, à qual pode recorrer para praticar outros exercícios de escrição, reler e melhor a sua aptidão.

2. Especificidade e Clichés

O impulso do escritor é, muitas vezes, ser vago. No entanto, a descrição deve ser específica e evitar clichés. É certo que os clichés ajudam a confirmar a especificidade, no entanto, existe forma de contorná-los, por meio de sinónimos ou recursos estilísticos. Clichés como “ele correu como um louco”, “ela era bela como um dia de verão” ou “ele lutou como um tigre” são assimilações já recorridas com as quais estamos demasiado familiarizados e que em nada acrescentam ao desenvolvimento da história, e por conseguinte, não acrescentam à identidade do autor.

3. Activar os sentidos

Quando o escritor se depara perante uma cena especificamente descritiva, deverá perguntar-se as mais básicas perguntas: que cheiro evoca a cena? Que tipo de luz pode ver na cena? Que sensações evoca essa luz; que cores ela reflecte? Que reacção despoletará a observação desta cena na personagem? É importante que o escritor stabeleça esta relação com os seus cenários: se o escritor não está familiarizado com eles, não o conseguirá transmitir ao leitor.

Mas estas descrições deverão ter um propósito. A escolha do tipo de descrição, das sensações que representarão, dos elementos inseridos, deverão entrar em consonância com o objectivo da cena. Por exemplo: numa descrição de guerra é impensável haver comparações veranis, flores, cores alegres ou um cenário que se desenquadre de uma cena especificamente horrível, excepto se houve um propósito para isso (imagine-se, por exemplo, uma personagem que está à beira da morte e avista o mundo como belo nos últimos minutos de vida).

Técnicas literárias:

- Recorrência a recursos expressivos como metáforas, comparações, personificações, hipálages, animismos, sinestias, etc., por fim a criar um discurso mais fluído e agradável ao leitor esteticamente, mas nunca esquecendo a informação que tem de ser passada.

- Adjectivação mas moderada a menos que o recurso à enumeração ou à anáfora demonstre um propósito.

- O uso de advérbios é essencial para manter um discurso limpo e claro sem rodeios.

- Recurso aos tempos verbais: importante manter sempre o mesmo tempo verbal, a menos que a mudança súbita do tempo verbal demonstre uma intenção clara ou esteja inserida num discurso directo.

Exemplo: (Beloved, de Tony Morrison)

“O 124 era rancoroso. Cheio de um veneno infantil. As mulheres da casa sabiam-no e as crianças também. Durante anos cada um aguentara o rancor à sua maneira mas, em 1873, Sethe e a filha Denver eram as únicas vítimas. A avó, Baby Suggs, morrera e os filhos, Howard e Buglar, tinham fugido aos treze – assim que ao olhar para um espelho este se partira (esse fora o sinal para Buglar); assim que a marca de duas pequenas mãos surgiram no bolo (esse o de Howard). Nenhum dos rapazes esperou para ver mais; no chão, outra panela cheia de grão-de-bico a fumegar num monte; bolachas de água e sal desfeitas e espalhadas pela soleira da porta. Também não esperaram por um dos momentos de acalmia: as semanas, até meses em que tudo era tranquilidade. Não. Fugiram de imediato- no exacto momento em que a casa se empenhou em mostrar-lhes aquilo que era, o único insulto impossível de suportar ou de ser testemunhado uma segunda vez. Num espaço de dois meses, a meio do Inverno, abandonaram a avó Baby Suggs; Sethe, a mãe; e Denver, a irmã mais nova, sozinhas na casa branca e cinzenta de Bluestone Road. Na altura, não tinha nome, porque Cincinnati ainda não chegara até ali. Na verdade, só há setenta anos é que o Ohio se transformara num Estado quando primeiro um irmão e depois outro enfiaram alguma roupa no chapéu, pegaram nos sapatos e esgueiraram-se para longe do rancor vivo que a casa parecia viver por eles.” (pp. 13 – 14).

O que transmite o texto? De que assunto está a autora a falar?

Exercícios:

1. Descreve a paisagem vista por uma velha viúva cujo marido horrível tenha morrido. Não deverá ser mencionado o marido nem a morte.

2. Descreve um lago do ponto de vista de um jovem rapaz que acabou de cometer homicídio. Não deverá ser mencionado o assassinato.

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quinta-feira, 28 de junho de 2012

Exercício #3 - Sessão #2

Por Ana Santos

1. O café estava delicioso

Sentou-se, puxou da carteira e retirou as moedas que lhe convinham a pagar o seu pedido. Sozinho na mesa, sozinho no lugar, nada do que habitualmente poderia ter importando um qualquer transeunte ou mero habitante da cidade parecia incomodá-lo naquele dia; apossava-se-lhe uma enorme indiferença em que tudo lhe parecia tão igual ao habitual que já conhecia.

O empregado poisou a chávena à sua frente e, em gesto mecânico diário, deitou o açúcar, puxou da colher e remxeu, remexeu, remexeu, sempre em sentindo dos ponteiros do relógio, um habitual tão impregnado nos seus gestos que mal lhes dava pela presença. De olhos postos no outro lado da rua, onde avistou uma mulher a passear com uma criança pela mão, levou a chávena aos lábios; a criança segurava um balão vermelho na sua mão, aquilo lembrava-lhe um filme, pensava, como se tudo o resto fosse de um monocromático que provocava estranheza perante aquele balão. Sorveu do primeiro gole; queimou-se na língua.

Ao segundo gole, contudo, esqueceu o balão, criança e mulher e fixou-se naquele gosto que lhe inundava o paladar. Admirado, sorveu mais um pouco e outro ainda, em goles pequenos e ponderados, como quem poupa o último pedaço de um bolo de chocolate para pronlongar a sua maravilha aromática. Era amargo, mas não tão amargo que o levasse a pensar que era um café rude ou sem gosto; a amargura jogava em consonância perfeita com um ligeiro travo ácido que se fazia sentir na língua. Contudo, aquela adição de açúcar combinava tudo isso numa miscelânea de sensações que, coroadas por um doce final, lhe proporcionava todo um deslumbre gostativo no paladar. Aquele era o café mais delicioso que bebera.

2. Na rua, estava frio.

Nunca conseguia dizer, através da janela apenas, as circunstâncias climáticas do dia. Naquela manhã, viu o cinzento das nuvens no céu e ponderou o ar gélido que se fizera sentir nos últimos tempos. Preveniu-se; a sua casa estava quente, um morno confortável do aquecedor da sala que lhe enchia o corpo de um calor agradável; como não lhe apetecia minimamente enfrentar a rua! Agarrou no casaco e lançou-o ao ombro.

Já na escada, no hall de entrada do prédio, conseguia sentir a aragem gélida vinda da rua. Aí, as pessoas apertavam casacos, ajeitavam boinas e bonés, enrolavam cachecóis grossos de lã em torno do pescoço. Apercebeceu-se de que se esquecera do cachecol; como sentiria frio de pescoço descoberto! Por um segundo curto, ponderou subir até casa novamente e reaver o cachecol esquecido, mas ao olhar para o relógio apercebeu-se de que não havia tempo. Praguejando, abriu a porta e saiu até à rua. Um carro buzinou quando a brusca aragem lhe embateu nas faces ainda mornas como uma estalada gélida de ódio. Enervada, puxou pela gola curta do casaco, enrolando os cabelos em torno do pescoço; escondeu os braços sob os sovacos, o corpo tremendo numa ânsia de reservar algum calor para si, de impedir que o quente corporal que escondia sob as roupas não lhe fosse levado pelo vento.

3. Estava vento. O homem apertou o casaco.

Já o conseguia detectar do interior do seu carro, e quase que sentia a instabilidade no veículo à medida que conduzia. A brusca ventania esgueirava-se pelo vidro sempre que tentava abri-lo um pouco; sentia-se encalorado no interior do automóvel, mas sempre que abria o vidro do lado do seu lado, todo o ar se esgueirava tão violentamente para o interior que mal conseguia respirar.

Quando estacionou o carro, preparou-se para sair, ciente de que a ventania exterior lhe causaria um enorme incómodo. Conseguia ver as mulheres na rua a barafustarem para si enquanto prendiam os cabelos com elásticos ou os agarravam com as mãos teimosas que não queriam impedir os esbeltos penteados de se desfazerem. Nao se via uma mulher de saias; as que estavam assim vestidas, jovens que pareciam imunes à ventania, agarravam-nas com dedinhos cuidados enquanto gargalhavam timidamente umas para as outras. Ele bufou de desespero, sentindo apenas um ligeiro alento enquanto levava a mão ao manípulo da porta e abriu-a.

A primeira coisa que sentiu foi uma violenta corrente de ar de tal forma intensa que os seus pés perderam a noção do caminho que pisavam, atrapalharam-se e deu por si desequilibrar-se. O sobretudo estava no banco de trás e, mais do que nunca, ansiou por tê-lo ali à mão. Abriu a porta e, aquele momento em que enfiou a cabeça no interior do carro, pareceu-lhe um mero segundo de conforto eterno do qual não queria escapar. Fechou a porta num brusco baque, vestiu o sobretudo a muito custo, as mangas esvoaçando aqui e ali, as abas longas do casaco esvoaçando-lhe em torno do corpo rebeldemente, o tecido áspero do vestuário roçando-lhe bruscamente na carda enquanto se debatia com a simples tarefa de vestir um sobretudo.

Dominado o sobretudo, procurou seguir em frente, as pernas combatendo contra o vento forte que lhe soprava contra ele, o ar esgueirando-se tão violentamente contra a cara que sentia-o encher-lhe as narinas, um enorme sufoco que lhe apertava o nariz, a garganta, o peito. Puxou do cachecol e enrolou-o em torno da boca e do nariz; a oportunidade de respirar calma e normalmente pareceu-lhe uma dádiva divina. A última coisa em que pensou antes de conseguir encontrar uma forma mecânica e eficar de seguir caminho sem que o vento o atrapalhasse foi como estava tão grato por não ser uma mulher de saias e cabelos compridos.

4. A mulher olhou o relógio impacientemente.

Na sala, a televisão berrava como que para atenuar toda a sua insegurança. Andava de um lado para o outro enquanto procurava pequenas tarefas para ocupar a mente perturbada pela espera: as almofadas do sofá estavam tortas, uma delas caída no chão; o relógio da cozinha tinha parado de trabalhar havia três dias, aquele momento pareceu-lhe o ideal para lhe trocar as pilhas; ainda não tinha feito a cama; limpou o pó da mesa de café e até poliu as molduras que ela fingiu serem de prata para efeito de eficácia de todas as suas tarefas.

Tinha feito o telefonema quase meia hora antes. Uma chamada simples que tantas vezes antes fizera. Sabia que era um telefonema do qual tinha vindo a usufruir demasiado nos últimos tempos, contudo, a sua vida solitária naquela casa que lhe parecia que lhe parecia tão demasiado grande para si premeditava-lhe esse pequeno vício de que não se conseguia desabituar.

Sentou-se no sofá e abriu uma revista poisada sobre a mesa de café, mas não leu. Constantemente olhava para o relógio de pulso. Trinta e sete minutos haviam passado e ela não conseguiu compreender porque era que a sua chamada parecia demorar tanto tempo a surtir efeito. Voltou a olhar o relógio; ainda trinta e sete minutos, mas o ponteiro dos segundos estava cada vez mais próximo do final daquele pequeno minuto – como tinha passado apenas segundos quando lhe parecia que dois minutos haviam passado? A sua perna descontrolava-se e ganhava uma instância própria que se revelava através de um bater constante do seu pé sobre a carpete do chão. Tremia-lhe; e tremia-lhe tanto que nem ela se apercebia. Quanto tem mais iria durar? Voltou a olhar o relógio – trinta e oito minutos. Como! Como podia ter passado um minuto! Que distracção era a sua, que fixação era aquela? E onde estava o maldito homem?

Finlmente, tocaram à porta. Num êxtase de alívio, saltou do sofá com pressa e abriu a porta, já com o dinheiro preparado no bolso. O homem recebeu as notas com um sorriso no rosto; ela mal reparou nele. Segurou na caixa e fechou a porta na cara dele, praguejando contra a ineficácia da entrega. Sentou-se no sofá aliviada e comeu a sua pizza.

5. Ela sentou-se sobre a cadeira desconfortavelmente enquanto ajeitava a saia.

Porque raio tinha decidido ir de saia para um evento daqueles, num dia daqueles, era algo que dera por si a debater-se ao longo de toda a longa caminhada desde casa até ali. Sempre se sentira tão confortável em saias; tinha confiança nas suas esbeltas pernas- pois sabia que eram esbeltas – e que já comaçavam a adquirir uma leve tonalidade torrada do sol de verão. Gostava de as exibir. E eis que naquele dia se sente exposta, qause nua. Sente os olhos dos outros pregados em si, homens e mulheres sem descriminar, todos a olham, todos a julgam. E não sabe porquê.

Ou talvez saiba. Quando entrou na sala, sentia à mesma esse peso dos olhares sobre si, contudo, era diferente. Ali, não havia olhares famintos, mas de compaixão. Havia pena nos olhos das outras raparigas sentadas na sala de espera, algumas com homens ou meros rapazes do seu lado, segurando as suas mãos como se a consulta que tivessem marcado lhes fosse uma terrível premissa de dor e tortura.

Quando se sentou na cadeira, desde logo que esta lhe parecia feita de cimento rude, mal limado, quadrado e desconfortável, e então continuou a perguntar-se porque fora que, afinal, ela vestira saia para aquela consulta. Poderia ter ido de calças, mas supôs que se tornaria mais constrangedor, pois o acto de despir um par de calças num gabinete médico parecia-lhe o cúmulo do ridículo – mas que lhe interessava isso quando ia vestir aquelas estúpidas batas que lhe mostravam o traseiro?

Era a consulta marcada que a fazia sentir-se irrequieta. As roupas roçavam ruidosamente contra a superfície plástica da cadeira e ela conseguia sentir todos os olhares pregados nela, como se lhe exigissem que parasse quieta. Sentia-se tão estridente que não conseguiu evitar ela mesma pensar isso. A saia parecia-lhe mais curta do que nunca naquele instante; teve tanto medo que lhe vissem o que não deviam que deu por si acruzar as pernas com tanta força que o sangue lhe parou abaixo dos joelhos. Levou uma mão a puxá-la, mas o seu gesto parecia tão evidente que logo de seguida a sua face ardeu de embaraço. Sentia os olhos pregados nela mais intensamente do que nunca – e no entanto, ninguém a olhava. Forçou-se a ficar quieta no seu lugar quando o nome da senhora ao seu lado foi chamado; a mulher levantou-se e entrou no gabinete do médico; ela estava consciente de que seria a próxima. Esperou. E enquanto esperava, perguntava-se novamente porque raio decidira vestir uma saia para a sua primeira consulta no ginecologista.

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Exercício #2 - Sessão #2

1. O café estava delicioso

Numa esplanada, em Paris, com vista para a catedral de Notre Dame, encontrava-se uma esbelta mulher, toda vestida de roxo, a tomar o seu café, com um aroma fantástico que a fazia ter a sensação de se encontrar exactamente no centro da plantação, num país exótico e viciante.

Era um café cremoso, servido numa límpida chávena branca, que não apresentava qualquer vestígio de sujidade. O café estava precisamente na quantidade certa, a chávena não estava nem demasiado cheia, nem demasiado vazia.

Com aquele café e todo aquele ambiente em seu redor, o final de tarde daquela jovem mulher tornara-se num momento absolutamente espantoso.

2. Na rua estava frio.

Um homem, com cerca dos seus 30 anos, passeava-se pelas ruas da sua cidade, num dia de Inverno, como ele não presenciava fazia muito tempo. Ele vestia uma gabardina castanha escura até aos tornozelos, o que tornava possível aquela difícil tarefa de caminhar pela rua naquele dia escuro, em que se faziam sentir os 2 graus negativos. As suas mãos, que iam perdendo a sensibilidade a cada passo que dava, apresentavam-se num tom esbranquiçado, como se não tivessem uma pinga de sangue a atravessar as suas veias.

3. Estava vento, o homem apertou o casaco.

Mal saíra de casa, apercebera-se da enorme ventania que o rodeava. Após alguns passos, sentiu-se a ser empurrado, o que não ajudava na sua missão de chegar cedo ao trabalho. Sentiu uma enorme corrente de ar gelada a chegar-lhe ao seu peito, que apenas estava coberto com uma camisa e um polo sentindo, como tal, uma enorme necessidade de abotoar o seu casaco cinzento escuro, com uns enormes botões pretos, que por vezes tinham alguma dificuldade em atravessar os buracos nos quais tinham de entrar. Assim, depois de toda esta luta, o homem prosseguiu o seu caminho até se encontrar “seguro”, no seu local de trabalho.

4. A mulher olhava o relógio impacientemente.

Tinha um encontro marcado para as oito da noite, com o seu namorado, no dia em que faziam um mês de namoro, o que a deixava bastante impaciente, com a sensação de que quanto mais olhava para o ponteiro do seu relógio, menos este se movimentava. Eram já sete e meia da tarde e o ponteiro parecia ter encravado, nunca mais andava para a esquerda. Esta espera interminável estava a deixá-la louca, já estava arranjada há cerca de uma hora e agora é que tudo custava a passar.

Tentava fazer de tudo para se abstrair daquela horrível situação de ter de esperar por algo que tanto se anseia, mas eram tudo tentativas fracassadas, quanto mais tentava não pensar, mais aquela espera a consumia por dentro.

5. A mulher sentou-se na cadeira desconfortavelmente, enquanto ajeitava a saia.

Sentada num banco de jardim, aquela mulher jovem, com os seus vinte e cinco anos, ajeitava a sua saia, pois reparava na forma como o homem que se encontrava num banco imediatamente à sua frente a olhava.

Era uma saia curta, feita de algodão, de um tom vermelho que chamava à atenção de qualquer um. Por baixo apenas trazia collants transparentes, ditas de vidro, que deixavam mostrar a sua roupa interior, também ela vermelha.

Todo este cenário deixava o homem completamente embasbacado e fascinado com aquela mulher, que ainda por cima era extremamente bem torneada, com umas pernas que qualquer homem considerava “boas”, para as quais era impossível não olhar, principalmente numa situação daquelas em que elas practicamente o chamavam pedindo para ele as “comer com os olhos”.

Apesar do seu ar provocante, a mulher sentia-se desconfortável com a situação, fazendo os possíveis para cobrir, com a saia, a máxima área possível das suas ancas e pernas, o que se revelava uma tarefa bastante complicada devido à minúscula quantidade de tecido que a constituía.

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Exercício #1 - Sessão #2

Por Carol Louve

Fico-me fraco no café fraco sem forças. Tudo o que preciso é um café. Um simples café. Peço-o ao balcão e o tempo de espera entre ver tirar o café e ver a chávena à minha frente parece completamente inócuo e vazio. Mas ele chega e eu levo-o para a mesa, uma mesa discreta ao fundo, abrigada da intempérie que está lá fora. Junto-lhe metade de um pacote de açúcar e faço os movimentos circulares com a colher para apanhar o creme que vem ao de cima. É uma explosão de paz e de alívio quando o levo à boca. Estou fraco, sem forças, será que este café me vai fazer bem? A chávena está demasiado quente, apesar de eu não a ter pedido escaldada. Mesmo assim levo-a aos lábios. E é néctar divino aquilo que me escorre pelo esófago, aquecendo cada uma das minhas células, cada uma das minhas sensações, enchendo-me de paz. Respiro fundo, consigo sentir o odor das borras de café a misturar-se com o sabor quente dentro da minha boca.

Só me falta um cigarro, mas aqui dentro não se pode fumar. É tempo de ir para a rua, mas com as forças revisitadas por estes golos de café já tenho coragem.

O céu apresenta-se cinzento e claro e uma humidade está a cair do céu. É quase chuva, uma filha da chuva, mas ainda não cresceu o suficiente. O vento bate-me nas costas, na cara, levanta-me os cabelos, levanta-me o chapéu, e as gotas que estão no ar encharcam-me. Sinto-me quente por dentro, mas não é isso o que sente a minha pele. A minha pele é um escudo, uma barreira. Toco-lhe e está gelada. Os meus dedos tremem para apanhar o cigarro e mantê-lo firme entre dois dedos. Sabe-me bem a pequena chama do isqueiro cor de laranja que dança entre as minhas mãos em concha. Mas é difícil. O vento leva-a constantemente. Ela parece mesmo não querer enfrentar a rua. Deve ter medo de congelar.

Todo este vento me rodeia e parece que a energia do café se está quase a esgotar. Tenho um grande sobretudo, que comprei porque pensava que poderia vir a ser igual ao Mourinho, que me está a proteger a retaguarda. Ainda assim aconchego-o ao pescoço. Quem me dera ter trazido um cachecol… Protejo-me contra um prédio, debaixo de uma varanda onde parece haver menos corrente de ar e, um a um, torço os botões dentro das suas casas. Agora também a minha frente está protegida.

É altura de caminhar até ao meu destino, encontro social importante. Só mais uma mulher do website de encontros amorosos. Ficámos de nos encontrar num outro café, mas os nervos obrigaram-me a parar antes e a repensar nas minhas opções. São simples. Posso ir ou posso deixá-la à espera, para sempre. Vou.

Chegado ao café escolhido, olho pela vitrine. Acho que a consigo reconhecer, está sentada atrás de uma coluna que não é grande o suficiente para a tapar. Ela olha para o relógio. Continuo a observá-la. Olha para o relógio outra vez. Continuo a observá-la. Olha para o relógio outra vez. Agora solta um pequeno suspiro, coloca a mão fechada sobre o queixo e mexe com a colher numa chávena que tem à frente. Parece ser um cappuccino, mas já está terminado. Estarei assim tão atrasado?

Levantou-se, com a mala. Se calhar desistiu. Ainda bem, assim posso voltar para casa e ver mais séries americanas. Puxo doutro cigarro. E ela volta. As suas pernas dobram-se delicadamente enquanto coloca as mãos por baixo delas para que a saia não levante. Se calhar foi só à casa de banho. Levanta um bocadinho a anca… A cadeira é de verga, ela está de saia, deve estar uma ponta solta da madeira a espetar-se contra a sua pele. Alisa as roupas e volta à mesma posição.

É atraente ela.

Vou voltar para casa e ver mais séries americanas.

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Sessão #2 - Descrição Pt. I

Desenvolvimento da linguagem sensorial/descritiva.

O objectivo da linguagem sensorial/descritiva é a recriação de cenários por meio de sensações, ambiências e imagens que culminam numa ideia fulcral de “mostrar” em oposição a “contar”.

A ideia foi desenvolvida por Rebekah Kaplan: o objectivo de um bom escritor é “mostrar” por meio dessa mesma descrição ao invés de “dizer”. Esta ideia pretende desviar o escritor de descrições vazias e ambíguas e linguagem repetitiva, proporcinando ao leitor uma imagem clara e específica do cenário final pretendido. Pode ser melhor alcançada por meio de recursos estilísticos no caso de descrições especificamente sensoriais, em que o autor assente a sua imagem nas sensações. Uma descrição visual da imagem pretendida poderá, também, transmitir um desfecho imagético da ideia que o autor pretende transmitir. Estas duas formas de descrição, quando combinadas, levam à ideia de uma frase “mostrada” em oposição a simplesmente “dita”.

Em ocasião de sentimentos, o acto de “mostrar” assenta, primordialmente, na representação de expressões faciais e gestos distintos do sentimento específico. Neste tipo de descrição, a personagem irá envolver-se no ambiente em que se insere. Pequenos detalhes poderão proporcionar relevância ao sentimento traduzido na cena.

Exemplos

Dizer: A rapariga sentiu-se entusiasmada.

Mostrar: No seu rosto, brotou um rasgado sorriso que parecia iluminar toda a sua face, desde os seus dentes brancos até aos olhos rejubilantes daquilo que parecia ser uma genuína felicidade. Os seus dedos entrelaçaram-se enquanto canalizavam toda a alegria que lhe florescia pelo corpo, brotando em pequenos saltitos que os seus pés largavam, até que as pequenas gargalhadas encheram o espaço por entre os seus gritinhos de excitação.

O texto acima demonstra uma atitude entusiasmada por meio de atitudes corporais e gestos típicos desta situação. Primeiro, o sorriso torna-se a primeira evidência de que a personagem está, evidentemente, feliz. Mas não chega – o autor pretende mostrar que está mais do que feliz, que está entusiasmada. Os seus olhos iluminam-se – e, aqui, o autor recorre a uma figura de estilo (sinestesia) para acentuar a ideia anterior. Por meio do seu sorriso e dos seus olhos, o leitor sabe, agora, que a personagem está feliz. No entanto, isto não chega.

É então que o autor lança um gesto que nos referencia algo mais relativamente à sua atitude. O acto de entrelaçar os dedos pode significar duas coisas: frustração ou pedido. Se olharmos para uma pessoa que ora, vemos os seus dedos nesta mesma posição. No entanto, esta personagem em particular tem um rasgado sorriso e os olhos rejubilantes, portanto, a ideia de frustração está totalmente excluída. O que nos leva ao pedido. Mas ainda que estranho, o autor explica-nos porque o faz: canalizavam toda a energia que lhe florescia do corpo. Portanto, o acto de entrelaçar os seus dedos é um mero acto de contenção que resulta apenas em saltitos, gargalhadas e gritinhos.

Dizer: O professor estava irritado com o aluno.

Mostrar: Por meio de um esgar, o aluno observou o professor. Sentado à sua secretária, os seus olhos esgueiravam um breve olhar fulminante, esmagado pelas fartas sobrancelhas que se contorciam em ódio enquanto os cantos da boca se retorciam fugazmente em descontentamento. Por fim, o homem ergueu-se bruscamente do seu lugar; o ruído da sua cadeira à medida que arrastava sobre o soalho fez a pele do aluno arrepiar-se de súbito temor. O punho cerrado do professor embateu na mesa num baque estrondoso que fez alguns dos alunos soltarem pulos de alerta sobre as suas cadeiras. O aluno estremeceu no momento em que os olhos do professor se pregaram precisamente nos seus.

Neste trecho, o acto de mostrar eleva-se ao nível de envolvência da personagem com o ambiente e outras personagens presentes na cena. Primeiro, sabemos que a personagem que se irrita – o professor está sentado à sua secretária. A secretária torna-se o veículo para demonstrar melhor a sua fúria.

Primeiro, é o seu esgar que nos é mostrado, num olhar fulminante, esmagado pelas fartas sobrancelhas. Um olhar de ódio e desafio normalmente é direccaionado de baixo para cima. Mas um olhar de baixo para cima também pode ser de sedução, portanto, é necessário clarificar que tipo de olhar é este. As fartas sobrancelhas que “esmagam” o olhar (sinestesia) indicam-nos que o que o professor apresenta é ódio, raiva.

Quando se ergue da cadeira para repreender o aluno, as sensações indicam ao receptor (o aluno) a ira que o professor que transmitir por meio da audição (além da visão). O arrastar da cadeira faz a sua pele arrepiar-se em súbito temor, e é esta sensação que atira o aluno para uma nova posição. O súbito reconhecer de uma sensação que lhe transmite ira faz o aluno arrepiar-se de sentir temor. A partir daqui, estão estabelecidas as diferenças entre as posições de ambas as partes. Só falta, ao autor, demonstrar essas posições por meio da imagem: o professor bate com o punho na mesa[1] a ponto de assustar os restantes alunos, e por fim, os seus olhos fixam-se sobre o aluno. A partir de agora, o aluno sabe que está em sarilhos. E o leitor também o sabe, porque o autor mostrou-o.

Este tipo de descrição requer uma visualização concreta por parte do autor relativamente às cenas que cria. É preciso ter em conta a exactidão das acções e a sua coerência. Isto implica que, por vezes, o autor ter-se-á de debater acerca de certas reacções e terá de estudar como certas pessoas reagem a determinadas situações. Por exemplo, se a rapariga entusiasmada não tivesse soltado pulos e gritinhos, ou o seu corpo não tivesse demonstrado qualquer espécie de excitação, o leitor provavelmente apenas seria capaz de percepcionar a parte feliz da imagem, mas não a parte entusiasmada.

Exercício

As seguintes frases “dizem”. A partir delas, construam um pequeno texto que “mostre”. Sintam-se livres para criar situações que reforcem a imagem pretendida.

1. O café estava delicioso.

2. Na rua, estava frio.

3. Estava vento. O homem apertou o casaco.

4. A mulher olhou o relógio impacientemente.

5. Ela sentou-se sobre a cadeira desconfortavelmente enquanto ajeitava a saia.

“Não me digam que a lua está a brilhar; mostrem-me o seu clarão num pedaço de vidro.”

Anton Chekov.



[1] O acto de embater com o punho sobre a mesa é um chamado marcador de ira. No entanto, quando ocorre genuinamente, o responsável fala, pois é um veículo de violência que não consegue mostrar verbalmente.

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